terça-feira, março 15, 2011

Discurso político

O que as campanhas eleitorais hoje mostram de maneira eloquente é a subordinação do campo político ao campo dos media, invertendo assim a lógica que presidia tradicionalmente às relações entre estes campos. (…)

A campanha produz imagens de candidatos e de programas utilizando para isso processos idênticos aos que são utilizados para a promoção de qualquer produto, os processos de camuflagem do processo de produção, do seu custo, em favor do processo sedutor da gratuitidade. É de facto às mesmas empressas publicitárias e de marketing, aos profissionais obscuros da indústria promocional que se encomenda a promoção tanto dos pós para lavar a roupa como dos candidatos políticos. São os mesmos processos retóricos que vendem margarinas e programas eleitorais; são as mesmas vedetas do espectáculo, do show business, da canção, do teatro, da informação, que emprestam a voz, a silhueta, o charme. Os candidatos estudam e elaboram a sua imagem como qualquer vedeta do espectáculo. (…)

Tal como na estratégia publicitária, as categorias apelativas do discurso eleitoral “vota x”, que se cristalizam sobretudo nos imperativos, são carícias amorosas; apelam para a afectividade do eleitor, articulando-se sempre com categorias emotivas: “somos o mais forte, o mais português, “defendemos”, etc. (…)

Termos como “crise”, “liberdade, igualdade, fraternidade”, “paz, pãp, terra e liberdade” tornam-se puras formas neutralizadas, estruturas míticas habilmente articuladas com a musicalidade rítmica do slogan, da marcha, cantadas em uníssono ou marteladas insidiosamente de manhã à noite pelos altifalantes das caravanas. Uma vez interiorizadas, bastará o seu ritmo apitado pelas buzinas dos automóveis das caravanas para produzir o mesmo efeito galvanizador, quais figuras algébricas, rima inculca a indispensável neutralização da forma discursiva. “Firmeza na decisão, competência na acção” é o slogan que alia admiravelmente a rima fácil ao desfilar de um ritmo binário facilmente corporalizado.

Às figuras de expressão aliam-se as figuras de conteúdo com particular relevo para o jogo metafõrico da forma semântica. A crise converte-se em fumo que se evapora sob a acção poderosa e abrasadora do partido, tal como a sujidade é consumida pela acção corrosiva dos enzimas. Os partidos são locomotivas, carruagens ou estradas que transportam ou puxam o país para viagens idílicas e para um futuro aprazível, fazendo-o sair do túnel uterino. Os programas políticos convertem-se em edifícios que se constroem ou que acabam por ruir. O partido é “motor” térmico que aquece ou arrefece.

(Adriano Duarte Rodrigues, O Campo dos Media)

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